outubro 29, 2013

A Fina Serra Fina - Half Mision Brasil 80K

Olá, buenas!

Ah sim, foi uma ultramaratona. Acho que já escrevi anteriormente que não aprecio esses adjetivos de maratonista, ultramaratonista, montanhista entre outros. Acho apenas que colocamos algo como meta e vamos em busca de alcançá-las.

Desde que tomei conhecimento das corridas em trilha de longas distâncias, adquiri real interesse em também praticar esta modalidade: competições com distância maior que os 42 quilômetros da maratona. Corri uma prova assim em 2010, na Ultramaratón de Los Andes, onde, feliz da vida, concluí meus primeiros 50 quilômetros de atividade contínua. Foram quase oito horas e meia de montanha, se não me engano.



Desta vez me propus realizar algo maior, mais intenso e mais intrigante: Half Mision Serra Fina, uma competição que não era somente uma corrida mas que fazia jus principalmente ao slogan do organizador: Una Autentica Aventura. Seriam 80 quilômetros com mais de 4.500 de desnível positivo acumulado percorrendo estradas e cumes de uma das mais belas regiões montanhosas do Brasil, a Serra da Mantiqueira em uma fração dela conhecida como Serra Fina. Nestas montanhas, muitos cumes acima de 2.000 metros de altitude e, monstro maior, a Pedra da Mina e seus 2.798 metros acima do nível do mar, nada menos que a quarta montanha mais alta do país.

O responsável pela chegada de um evento deste porte em nosso país foi o veterano de UTMB Sidney Togumi. Este paulista oriundo das corridas de aventura e com vasta experiência em corridas em trilha de longa distância participou de edições da prova-mãe La Mision Race na Argentina e trouxe o formato para as montanhas brasileiras.



No dia 12 de outubro, um sábado de feriado nacional, 133 corajosos atletas largaram para uma "missão" de percorrer 80 km por montanhas recheadas de trilhas. Havia também a opção "Short Mision" com 40 quilômetros de extensão e muita montanha igualmente. Iniciamos a missão no centro da Passa Quatro, cidade do sul de Minas Gerais bem coladinha àquelas belas montanhas. De lá seguimos por estrada de terra, turma dos 40 e dos 80 misturados até o primeiro ponto de apoio, o Refúgio Serra Fina. Apoio modo de dizer. Tinha umas torneiras por lá e só. Esse é o espírito "misionero". A prova exige auto-suficiência e muito conhecimento de suas necessidades. Para quem é pangaré como eu e esperava fechar a prova entre 20 e 24 horas, dá para imaginar o peso que carregava na mochila? Comidas, água, agasalho, segunda-pele, kit de primeiros socorros... Enfim, muito mais do que o normalmente levado conosco mesmo nas andanças mais duras da serra do mar paranaense.

Muito mais que trail running foi o que tivemos quando a estrada acabou mais adiante e entramos nas trilhas da Serra Fina. Ali entramos na montanha de fato, subindo por trilhas técnicas e íngremes. Em um trecho de crista um pouco mais plano, uma suave corridinha naqueles campos de altitude. A primeira meta era chegar ao alto do Capim Amarelo, montanha com mais de 2.400 metros de altitude. Objetivo alcançado com sobras de energia e dentro da meta proposta de tempo de percurso, hora de encarar o sobe e desce que levaria à Pedra da Mina, coisa de umas 3 ou 4 horas. Belíssimo trecho! Ali continuei aplicando a estratégia alimentar para não me faltarem forças: paradas de 5 minutos para comer a cada 55 de trekking/corrida. Havia preparado e levado comigo 23 kits de alimentação, com 300 calorias em média cada um. Tentei variar o máximo possível seus conteúdos, incluindo alimentos díspares entre si como biscoitos recheados, tâmaras secas, amêndoas salgadas, pão sírio, biscoitos salgados, melado de cana e entre outras cositas naturebas também.



A questão da reposição de água não chegou a ser um problema como eu imaginava. Sempre mantive comigo um bom estoque entre os pontos disponíveis para reabastecimento. Em um deles cheguei pouco antes do anoitecer, já na base da Pedra da Mina. Ali me alimentei e me protegi contra o vento que se anunciava, bem como o frio das altitudes sobre a cota 2.500 onde entrava agora. Caiu a noite, lanterna acesa e fortes ventos me levaram ao cume da Pedra da Mina. Uma pena ter passar ali tão rapidamente. Não era possível permanecer com segurança no cume sem abrigo. Hora de encarar a descida rumo à Fazenda Paiolinho, mais de 1.000 metros abaixo, já nas amenas temperaturas noturnas dos vales mineiros nesta época do ano. Descida forte e técnica, ali pela metade encontrei os amigos de Curitiba, Daniel Júnior e Giovanni Zem, o Gigio. Descemos um tempo juntos, parei para comer e eles seguiram. Alcancei-os novamente e desembestei rumo ao PC (Posto de Controle) seguinte. Na verdade, tratou-se de mais que um simples PC. Tinha staffs atenciosos, cadeiras, chá quente e sopa!



Ali, por volta dos 1.800 de altitude, continuaríamos a descer, já com alta escuridão, por estrada de terra até aproximadamente 900 metros sobre o nível do mar, ou seja, praticamente a altura da largada. Foi uma longa jornada, coisa de uns 14 quilômetros com a companhia do Daniel. No fim das contas esta companhia foi fundamental. Apoio moral na hora que o espírito fraquejava. Assim seguimos, um motivando o outro, com longas conversas quando o ritmo de prova diminuía. Chegamos, então ao PC que se mostraria decisivo para a maioria dos atletas. Lá estava Naval Freitas, grande campeão de corridas de montanha aqui no Brasil, dando todo o suporte e motivação necessária para prosseguirmos na prova.



Nesta altura do campeonato estávamos acompanhados do Sílvio, da cidade de Londrina, e de outro atleta que não recordo o nome, de Niterói-RJ. Seguimos juntos e aos poucos nos dispersamos, exceção do sempre presente Daniel. Alguns quilômetros por trilhas e em seguida começamos a subir por uma estrada de terra rumo à base do Tijuco Preto, último cume da prova.



Já estávamos no meio da madrugada quando adentramos à trilha que levaria ao ponto alto do trecho, por volta dos 2.400 metros. Quanta subida! E subida dura, travada, trilha bem fechada na mata. No entanto, com o dia clareando, atingimos o cume do Tijuco Preto. O dia clareava cedo, pouco depois das cinco da manhã, passamos pelo PC e literalmente despencamos morro abaixo, para o Refúgio Serra Fina por uma trilha ainda mais acidentada, inclusive equipada com cordas. O cansaço não nos permitia mais correr nas descidas, poderia ser perigoso. Passamos uma noite inteira sob intenso esforço e com restrição de sono, ou seja, a coisa toda funcionava meio que no piloto automático.

E assim, pouco antes das sete da manhã chegamos neste último PC, descansando e nos alimentando por uns poucos minutos antes de partir pela mesma estrada que havíamos passado no dia anterior, agora rumo à linha de chegada, em Passa Quatro.



Curiosamente ainda conseguíamos correr uns trechos, apesar de todo o cansaço e do calor que já se fazia presente mesmo naquele horário tão cedo. Entramos na cidade pouco antes das nove da manhã, em um trote mixuruca mas determinado. Havíamos completado a ultramaratona em trilha mais difícil do país, certamente uma 80K das mais duras em qualquer parte do planeta.

Com 21h57min eu e Daniel Júnior cruzamos a chegada apenas para descobrir que o que vale mesmo é desfrutar o caminho até ela. A medalha e o orgulho de ter finalizado um desafio como esse são muito pouco importantes comparado com os momentos vividos naquelas montanhas.




Estar nas montanhas pelas montanhas e não pelas glórias. Estas são passageiras, elas são eternas. E preciso delas para manter-me saudável.

Tudo que vivi naqueles dias com a companhia dos amigos,  das pessoas que conheci e com aquelas montanhas todas ao meu redor e também pulsando nas minhas veias, certamente qualquer eventual dúvida que eu pudesse ter sobre dedicar minha vida às montanhas, foi por água abaixo.

Teria muito mais para escrever mas não quero tornar-me ainda mais enfadonho. Escrevo este texto semanas depois do evento, por pura falta de tempo. Tempo este que, no fim das contas, não nos falta, mas sim nos exige fazer escolhas. E assim, prometo escrever em breve sobre minha participação na APTR Paraíba do Sul que rolou no final de semana passado.

Grande abraço!

2 comentários:

  1. Ótimo relato Volpao, deve ter sido demais essa aventura. Abs

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  2. Relato animal! Foi realmente muito gratificante fazer essa viagem contigo e com nossos companheiros e fazer a maior parte da prova ao seu lado! Valeu George! Tamo junto para futuras missões!

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