Essa é a história da minha participação na Indomit Bombinhas 2023, distância de 42 quilômetros.
Em 2013 eu estava no meu melhor ano esportivo. Não apenas nos resultados do tipo pódio de categoria no trail running, algo que nunca, jamais eu persegui. Sempre corri pelo desfrute e pelo desafio pessoal. Nunca foi contra alguém.
Porém eu começava a colher o resultado da dedicação.Tanto nos treinos como em um certo reconhecimento, por estar desenvolvendo um trabalho consistente na promoção da modalidade. Eu escrevia bastante, inclusive para revistas que nem eram especializadas em trail. Começava a receber convites para correr provas. Com tudo pago, acreditem. Passagens aéreas, hotel chique, refeições, etc.
Porém em novembro daquele ano em um treino bobo eu rompi meu ligamento cruzado anterior do joelho direito, episódio que já contei inúmeras vezes por aqui.
Mesmo assim, acabei levando estes quatro anos para retornar ao evento (ok, teve uma pandemia no meio).
E no começo do ano já estava decidido a encarar os 42Km. Eu PRECISAVA disso. Uma motivação para retomar a uma maratona. e TINHA que ser esta, que foi a minha primeira, lá em 2009, e que foi também a primeira maratona em trilha do Brasil.
Aos trancos e barrancos consegui me preparar minimamente para ela. A saída de um trabalho de mais de uma década junto à Jamur Bikes, uma tentativa ilusória e relativamente fracassada de decolar o canal do Youtube, uma viagem louca e maravilhosa à Paraty para participar do lado de fora da Paraty by UTMB e um novo e encantador desafio profissional junto à Bike4U bagunçaram um pouco minha vida esportiva em 2023. Ainda bem que eu havia construído uma base relativamente sólida no primeiro semestre, treinando principalmente por conta, após a saída da Equipiazza em maio. De junho a setembro eu consegui finalmente me livrar das dores generalizadas e ser consistente nos treinos de corrida. Finalmente me senti com um norte na corrida.
Nem mesmo os dias cinzentos por lá tiraram o entusiasmo que estava tomando conta de mim.
Corrida ali nas trilhas da Praia de Quatro Ilhas, refeições e rolês aleatórios, barulho do mar… Ah, a vida é melhor junto ao mar, certamente.
Na sexta-feira anterior à prova, na retirada de kit, o encontro com velhos e novos amigos. Ah, essa vibração que eu gosto… A Indomit Bombinhas, mesmo com praticamente 700 atletas neste ano, mantinha seu clima familiar. Ser convidado para um evento como esse é absolutamente irrecusável e era questão de honra estar lá presente, conversar, motivar, PARTICIPAR EM COMUNIDADE. Queria ali fazer por merecer tanta atenção e carinho a mim dedicados. Valorizo cada convite que recebo. Deve ser por isso que sempre recebo o mesmo tanto de volta daqueles a quem me dedico.
Na manhã da prova, dia nublado como de praxe mas com previsão de abrir um pouco o sol durante o dia. O percurso das mais recentes edições era um pouco diferente do que eu havia percorrido na década passada, englobando mais trilhas e mais desníveis. A prova tornara-se mais dura, fato que os mapas e a altimetria me alertaram.
Largamos pontualmente às 7 da manhã pela Praia de Bombinhas. Percurso já bastante conhecido por mim, desvio à esquerda, sobe pela rua de acesso à Praia de Bombas, neste novo percurso, percorremos o trecho todo desta praia até desviar à esquerda por uma rua transversal ao mar e começar a subir. Poucas centenas de metros à frente uma congestionada entrada na trilha, devido ao piso escorregadio e necessidade do uso de corda auxiliar para o barranco. Após um mimimi generalizado de atletas que não leram a parte do regulamento onde se recomenda que atletas mais lentos deem passagem aos mais rápidos, dei de ombros e segui fazendo a minha prova, passando por aqueles que correm rápido no plano mas não sabem ultrapassar um simples obstáculo sem reclamar.
Haviam pouco mais de 4 quilômetros de terreno praticamente plano e ao nível do mar e agora era hora de uma subida na mata até aproximadamente a cota 230 na chamada Trilha do Valtinho, coisa de 3 km. Duro, senhoras e senhores. Bem duro. Trechos de até 45 graus de inclinação, uso de cordas auxiliares, trilhas escorregadias… puro trail running. A inserção deste trecho na prova proporcionou a receita completa de um percurso técnico e desafiador e ao mesmo tempo com trechos facilmente corríveis. No fim das contas, por mais que tenha se tornado mais dura, ficou mais “trail” mesmo.
Após um íngreme descida que nos despachava para um gostoso pasto morro abaixo até o primeiro ponto de apoio, por volta do quilômetro 9, o que viria pela frente era conhecido.
Ali neste primeiro P.A. me reabasteci com 500ml de água e alguma comida sólida. Estava com a estratégia que havia funcionado nos 25K da Ultra dos Perdidos três meses antes: aproximadamente 80 a 90g de carboidrato por hora, alternando entre líquido, gel e sólidos como paçoca e goiabinhas. Estava funcionando a alimentação. Porém na hidratação acho que falhei um pouco até então, consumindo menos líquidos que o necessário. Infelizmente só me dei conta no meio da trilha seguinte. Aquela que depois de subir a agora asfaltada estrada que leva ao Morro da Antena, quebra à esquerda quase sempre subindo até o ponto mais alto antes de descer para a trilha da Costeira de Zimbros. Pouco mais de 7 quilômetros de trilha no total até finalmente voltarmos ao nível do mar e após um trecho de areia fofa, atingir o ponto de apoio seguinte, onde eu cheguei com zero água.
Sem pressa, me abasteci com vontade tanto com água como com carboidrato líquido. Aí acho que vacilei um pouco, pois depois desse P.A. passei a lidar com certo desconforto gástrico. Felizmente não perdurou por muito tempo e logo após finalizar o trecho de uns 5 quilômetros pelas praias de Zimbros, Morrinhos e Canto Grande, logo após o terceiro ponto de apoio, volto a me sentir melhor, voltando a hidratar apenas com água e consumir o que estava habituado, conforme estratégia anterior.
A trilha seguinte, que nos leva até a Praia da Tainha, parece fácil analisando mapas e altimetrias. Mas é um pouco travada com pequenos topes de um ou dois metros que vão minando as já parcas forças das pernas. Por ali, caminhei mais do que eu esperava. O esforço no trecho inicial lá da Trilha do Valtinho começava a cobrar o seu preço.
De toda forma cheguei bem ao início da inclemente subida rumo ao P.A. 4, desta vez sem passar na Praia da Tainha, desviando-se dela um pouco antes. Não achei ruim, evitava descer uns 50 metros para ter que subi-los novamente, como era no percurso das edições anteriores.
Mas a subida pelo estradão era a mesma… dolorida, íngreme, parecia sem fim. E agora com sol. Sim, senhoras e senhores, o sol resolveu sair e sair com vontade. Felizmente para mim, que adoro correr nestas condições mais adversas e utilizando da minha experiência para fazer o que deve ser feito: hidratar-se corretamente e repor carboidratos.
Ali estávamos por volta do Km 28 e pela primeira vez tive a certeza que finalizaria a prova dentro do tempo limite que era de 8 horas. Um tempo bastante exíguo dada a dificuldade da prova, bem diferente de uma La Mision que, apesar de maior altimetria, você tem praticamente uma vida toda para completar os 50 e os 80 km, permitindo que se faça a prova praticamente caminhando o tempo todo. Na Indomit Bombinhas era diferente. é necessário correr. E não poderia ser muito devagar.
Desci a pirambeira pela estrada de terra e paralelepípedos em um bom passo, coisa de 6min/km, o que para mim naquele momento era bastante rápido dado o estrago que já carregava nas pernas. Até poderia descer mais rápido, mas sabia que precisaria de musculatura mais à frente.
Enfim, o trecho que considero mais difícil mentalmente falando, a Praia de Mariscal. São uns 5 quilômetros de areia bem batida mas que parecem intermináveis. Havia o sol, havia os banhistas e havia uns pontos de referência para colocar como meta e distrair um pouco das dores comuns a quem está passando da marca dos 33 quilômetros em uma maratona.
No fim, deu boa e praticamente “ignorei” a subida seguinte, no quente asfalto da estrada de acesso à essa Praia e que nos levaria ao sexto ponto de apoio (o quinto ficava no meio da Praia de Mariscal e era basicamente água e paçoca). Ali, finalmente na Praia de 4 Ilhas, a tradicional melancia e uma cadeira para descansar uns minutos.
Toca para a praia para, então, fazer o trecho mais cênico da prova, a mesma trilha que havia corrido na quinta-feira anterior e que proporciona maravilhosas fotos. Aliás, falando delas, o que vocês veem por aqui é parte de um pack de fotos que adquiri antecipadamente na FotoP.
Realizado o trecho de trilha, voltamos à 4 Ilhas, encontro o apoio incondicional e vital da Vera Lúcia, companheira de tantos treinos, lamentos, desabafos e bons momentos na fase de preparação para a Indomit e que estava lá depois de ter finalizado a prova dos 12 Km. Foi muito massa encontrá-la por lá. Deu um ânimo novo e segui para aquele que é a pá de cal em quem não estava assim tão preparado: subir um concretão até entrar na trilha que leva ao Costão de Bombinhas, trecho a beira-mar bastante técnico e também muito cênico.
Mas mais complicado é sair dali. Sobe e sobe forte para depois despencar rumo à Praia do Retiro dos Padres, onde eu estava acampado. Neste trecho passei por bastante gente que realmente começava a sentir o peso da distância e do sol que havia saído anteriormente.
Agora ele já não nos castigava como antes, mas ainda estava bem abafado.
Último ponto de apoio, última água e última subida. Uma passada ao lado da barraca (abraço, Martin, companheiro do camping) e então a tradicional passagem pela maravilhosa Praia da Sepultura, absolutamente lotada de turistas. O que não é difícil de acontecer pois ela é minúscula, menos de 50 metros de extensão.
Quilômetro final da prova, Um misto de alívio e realização. Lidei com incertezas nas semanas anteriores, cogitando até mesmo desistir da prova, fazer os 12 Km talvez…
Mas, como mencionei antes, valorizo os convites feitos e vou até o fim. Deu certo. Longe de uma performance que eu esperava no início do ano quando me inscrevi, mas muito satisfeito por ter conseguido fazer uma prova equilibrada. Sem pontos baixos, sem bad. Quilômetro por quilômetro, trecho por trecho, praia por praia. Consistente, sem pressa. Consciente daquilo que eu podia entregar. Apenas terminar a prova. VOLTAR. RENASCER.
Ali nasci como corredor de longas distâncias em trilha e, 2009 e agora em 2023 eu renasço.
Para agradecer todos os responsáveis eu precisaria de um post inteiro dedicado a isso. Fiz algo assim no meu Instagram, onde mencionei exclusivamente os profissionais envolvidos nesse processo e que, embora solene e tristemente ignorado por alguns, me trouxe muito conforto o reconhecimento daqueles que entenderam o sabor dessa vitória pessoal e que compartilho essa conquista. Escolho ficar com os bons.
Mais à frente, um post mais técnico, falando dos equipamentos utilizados, da estratégia de alimentação e hidratação também em detalhes bem como foi o treinamento. E, claro, os próximos passos.
Muito obrigado por ter chegado até aqui. Não cruzei esta linha de chegada sozinho. Levarei todos vocês para as próximas. Pois como diz o lema da Indomit, que utiliza de uma frase atribuída ao pacifista Mahatma Gandhi, a força não provém da capacidade física. Provém de uma vontade indomável.
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