maio 05, 2010

Sobre ser o último colocado

Estava no regulamento. Às cinco e dez da tarde o PC número 19 fecharia e mais nenhum atleta poderia continuar na prova oficialmente. Estou falando da Volta a Ilha 2010, prova da qual participei junto à Território Mountain Team no revezamento de oito (sete) atletas.

Nada estava perdido pois havia uma exceção. Se o atleta anterior não chegasse até este horário, eu poderia largar e fazer meu trecho (considerado o mais difícil da prova) e a diferença de tempo seria calculada tendo em vista o resultado final. Era um tramo de 15 km pela região conhecida como Morro do Sertão, chamado entre os atletas de Morro Maldito. Muitas subidas e descidas, bem como muita lama, esta garantida pelas chuvas que haviam caído na regiao nos últimos dias. Sem problemas, isso eu já sabia pois havia escolhido este trecho justamente por gostar deste tipo de terreno. Apenas não contava com o improvável que tomaria conta do dia de competição. Várias situações levaram a alguns atrasos e tive que largar no horário limite, antes da Jessiê chegar. Ou seja, era o último colocado da prova.

O recado do staff da organização foi claro: "Garoto, este é o bastão que o identifica como último colocado da prova. Corra com ele de maneira visível. Esta é a identificação de que você é quem está fechando a competição. Se você ultrapassar alguém, entregue para o atleta. Se não, ao final de seu trecho haverá um staff que lhe solicitará o bastão e você será obrigado a abandonar a prova."

Ai, caramba, pensei! O Eriston e o Cliverson lançaram um olhar positivo e me mandei pela areia fofa, recebendo uma garoa gelada e o vento sul no peito. Lembrava vagamente que antes de mim tinha saído uma guria, calculava a diferença em uns 3 ou 4 minutos. Sim, havia saído mais gente antes de mim. Mas tudo que eu pensava é "tenho que pegar essa menina, porque em último eu não aceito".

E assim descobri a verve competitiva que habita em mim. Curiosamente sendo o último colocado de uma competição, algo que nunca me ocorrera antes.

Sim, já fui primeiro lugar em uma Corrida de Montanha (na faixa etária, é claro) e um duathlon ainda nos anos 90. Mas nestas ocasiões eu não pensava em correr contra mais ninguém além de mim mesmo. Chegar em primeiro foi "acaso", digamos. E antes que venham as piadas, não era o único a competir nas categorias, eu estava mesmo bem treinado.

Voltando à prova... Após duzentos metros de areia fofa, o trajeto me despejou em uma estradinha esburacada e deserta, totalmente plana. Sabia que os três primeiros quilômetros seria assim. A ansiedade era grande após cada curva realizada. Imaginava a cada momento vislumbrar uma figura feminina cansada à minha frente. Mas nada, nada e nada. Três quilômetros se passaram (o trajeto estava todo marcado) e veio a primeira piramba. Comecei a subir correndo mesmo - geralmente faço subidas íngremes caminhando forçadamente. A inclinação não era nada desesperadora, pouco diferente do que costumo treinar na minha terra.

Logo após uma quebrada à esquerda vislumbrei uma ladeira mais inclinada e um piso mais exigente: Lama daquelas grudentas e água correndo pelo meio da estrada. Hora de caminhar forte, bufar a plenos pulmões e apertar com força aquele bastão de último colocado. Sabia que seria por pouco tempo, havia chegado em meu terreno favorito.

E assim foi. Poucos minutos após o incío dessa subida mais forte vi a tal menina lutando contra o barro. Estava acmpanhada por outra mulher. Encostei e consegui balbuciar o infeliz recado que o staff havia me dado quilômetros atrás: "...este é o bastão que o identifica como último colocado da prova. Corra com ele de maneira visível....". De início a moção não me levou muito a sério e tentou disparar à minha frente. Levei a brincadeira dela na esportiva e a deixei se distanciar. A bravata não durou muito e finalmente me desfiz daquele "peso" morto. Ali, entendi que não: ser o último em uma corrida de montanha, não! Devolvi o bastão e a moça falou algo como: "o importante é participar, vamos juntos até o final". Sorri amarelo e disse: "sim, ainda tem muita corrida pela frente". Já anoitecia e não parecia ser muito seguro andar naquelas bandas desacompanhado. De toda forma, segui em meu passo e acenando: "logo a gente se vê!". Claro que pensei que minhas pernas poderiam fraquejar devido ao ritmo louco nesta etapa. Era uma hipótese bem possível, já que até então eu correra na simples obstinação por uma mera ultrapassagem.

É óbvio que a cada poucos metros eu olhava para trás para saber se iria rolar alguma reação. Logo vieram algumas descidas bem enlameadas, onde pude colocar em prática os anos de experiência nesse tipo de terreno. Despenquei morro abaixo e encarei com firmeza as poucas subidas que ainda restavam.

Já mais relaxado, concentrei-me no tempo restante e na vã tentativa de não ser cortado ao chegar no final do meu trecho. Tinha apenas uma hora e vinte minutos para correr os íngremes 15 quilômetros. Sabia que era uma missão impossível para meu atual condicionamento.

No entanto, não aceito nada menos que correr o mais forte possível. Assim fui mantendo ótimas passagens, mesmo nos trechos mais difíceis do percurso. Assim sendo, ainda passei por mais seis (!) pessoas até chegar ao final dos 15 quilômetros. Já estava com o tempo estourado em 12 minutos.

Minha meta particular foi cumprida, perseguir, alcançar e ultrapassar quem estava à frente para que eu deixasse a última posição para quem não estivesse tão sedento de vitórias como eu. Uma vitória particular. Poderia dizer que é até mesmo egoísta (pobre das meninas na escuridão do Morro Maldito). Mas fui atrás do meu sonho e das minhas metas. Ninguém estava lá para correr por mim. E assim descobri a competitividade dentro de mim. E descobri que quando a água começa a bater na bunda, sempre existe algo mais por ser feito. Que nada termina antes que acabe. E mais um monte de filosofia barata...

No fim das contas, a Território Mountain Team só ficou em último por termos sofrido penalizações. No tempo líquido de corrida, ficamos em antepenúltimo, hehe.

Dei o máximo. Correr em equipe é fantástico, com certeza você se exige muito mais do que correndo sozinho, quando é fácil pensar: "estou cansado, já era". Em equipe você também está cansado. Mas você diz: "Eles contam comigo, bora correr!".

E que venha a K42 Bombinhas!

Beijos e abraços

8 comentários:

  1. o ultimo demorou mais e curtiu mais o prazer de correr. lugares, posições não servem pra muita coisa. o negócio está no prazer. mas, conta aí qual é o prazer de ser o ultimo? brincadeira !!! o negócio é curtir.

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  2. Putzzz...Caramba Pepe, lendo esse relato me fez lembrar mês passado quando eu corri a Ultra de Arraial do Cabo em que eu era o 5º na geral e quando passei pelo penúltimo posto de controle as meninas staffs me disseram olha as 17 horas encerra a prova, olhei no relógio e vi que faltavam 30 minutos e por pouco quase tive que abandonar a prova ainda bem que acelerei e conseguir finalizar a prova antes das 17 horas...Mais uma vez parabéns a vc e a sua equipe pela volta da Ilha...
    Um abraço,

    Jorge Cerqueira
    www.jmaratona.com

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  3. Muito legal tua narrativa.

    Parabéns por ter alcançado o objetivo de último não! rs

    Por outro lado, no final fiquei pensando que seria ser divertido ser o último por opção. Seguir arrastando o pessoal retardatário no estilo George W. Bush (No child left behind). Vi que na maratona de SP a organização abandonou os últimos sem água.

    Sucesso em Bombinhas!

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  4. Obrigado moçada! Ótimo poder contar com as visitas as leituras e principalmente o comentário de todos vocês. Valeu mesmo!

    Beijos e abraços!

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  5. Eu gosto de participar de revezamentos justamente por sentir essa responsabilidade de ser equipe.Muitas vezes em provas individuais se torna fácil desistir,e na volta
    à ilha senti tb a dificuldade de fechar o 3º trecho sem deixar o ritmo cair em prol da equipe.Nós tb corremos desfalcadas,só em 7 ,ficamos em 4º no feminino.Parabéns à ti e à tua equipe.

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  6. Que relato mais hilário, adorei, parecia que eu também estava lá (quem sou eu?)Parabéns pelo desempenho, mas fiquei com dó das meninas, me senti no lugar delas.

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  7. Obrigado Corredora! Foi, no minimo, divertido =)

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