Atingir o cume nunca é o final da jornada.
Como dizia o incrível montanhista de altitude Ed Viesturs ainda nos anos 90, subir é opcional, descer é mandatório.. Vamos descer então.
E descer por trilha muito escorregadias, de um barro preto, traiçoeiro e já bastante pisoteado por dezenas de atletas que já haviam passado por ali antes de mim e que lidavam exatamente com as mesmas dificuldades. É onde o esporte nos iguala: o percurso e a distância são os mesmos.
A meu favor, alguma experiência nesse tipo de terreno, fruto das dezenas de vezes que já havia percorrido essas trilhas desde a primeira vez lá em 2003, quando conheci o Morro Araçatuba.
Já em desfavor… vários anos longe de competições de longas distâncias e um Ligamento Cruzado Anterior do joelho direito rompido em 2013 e que não foi reconstruído cirurgicamente por escolha pessoal após muita análise e conversa com dezenas de fisioterapeutas e médicos. Essa condição me leva a encarar as descidas técnicas com uma cautela muito maior do que eu gostaria. E nem sempre é garantia de passar ileso, sem intercorrências como um entosre de joelho, algo que é muito fácil de acontecer com alguém que não tenha esse importante ligamento que estabiliza a passada.
Dito e feito. Descendo controlado por vários minutos, tudo dentro da normalidade das condições, com alguns tombos e quedas que são absolutamente normais em condições tão adversas, em algum momento escorrego com pé esquerdo.
Ao me apoiar, no susto, com o pé direito o estalo no joelho é nitidamente audível por dois atletas que estavam comigo naquele trecho, onde eu, ingenuamente, achava tranquilo.
Vem a queda e uma dor lancinante, mas já velha conhecida. Eis a vantagem da experiência. Leitura mental em frações de segundos, deixando a dor vir e saboreando, fazendo imediatos cálculos mentais sobre quanto ainda faltava, se precisaria de resgate, de medicação, se a vida esportiva havia acabado entre outras negatividades.
Quem ali estava comigo ofereceu assistência imediata, bandagens, sprays analgésicos e principalmente suporte emocional. Com muita gratidão no coração, tranquilizei-os que eu já estava acostumado, que a dor se esvaía a cada segundo e que dentro de instantes eu conseguiria levantar e me locomover por meus próprios meios.
Assim foi, coisa de nem 5 minutos de respiração profunda e de organização das ideias, estava eu de volta à trilha e até mesmo ensaiando um trotinho nas descidas. Como que por um milagre, parece, o terreno se tornava menos hostil e muito, muito mais acolhedor.
Paisagens incríveis em um cenário deslumbrante, emoldurado por colinas cobertas ora por campos, ora por macega e com vales com capões de mata de altitude absolutamente intocados, repletos de flores silvestres.
Logo chegamos ao vale que separa o Morro do Araçatuba do Morro dos Perdidos e após uma sucessão de pequenos córregos de águas puríssimas e alguns banhados, hora de encarar a última subida da prova, felizmente muito menos íngreme que as anteriores. Mais curta também.
Assim chego ao cume do Perdidos, inclusive alcançando vários atletas que haviam passado por mim naqueles minutos de agonia anterior.
E lá estavam os mancos. Mas isso é história para o próximo post, onde farei a narração dos últimos seis quilômetros da Ultra dos Perdidos 25K 2023.
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